quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A presunção da desonestidade.

Tercio Garcia*

“É preciso varrer da mente dos legisladores a mórbida presunção da fraude. É o medo da fraude que cria a burocracia que, por sua vez, estimula a fraude, a falsificação e a corrupção.”
Hélio Beltrão


A burocracia, em sua definição, é o conjunto de rotinas dos funcionários públicos no exercício das suas funções. Entretanto, guiados pelos critérios de presunção de desonestidade, tratamos de mudar a compreensão do que é burocracia.
É comum encontrar documentos com dois carimbos e duas assinaturas da mesma pessoa, uma atestando o recebimento do próprio documento e a outra o recebimento do material ou serviço, como é também comum em um mesmo processo encontrar varias cópias autenticadas do mesmo documento.
Em um sistema gigante como o sistema público nacional o custo de tantas voltas e tantas garantias é também gigante.
                Hoje nos referimos à burocracia de forma pejorativa referenciando a morosidade e as exigências exacerbadas no desempenho dos serviços públicos. Todos a reconhecemos como danosa ao desenvolvimento da nação e perigosa ao poder público, visto que ao criar dificuldades, muitas vezes intransponíveis, sugere a negociação e venda das facilidades estimulando a fraude e a corrupção, cânceres das nossas instituições.
Ora, se a burocracia é fundamental para a proteção dos processos que se referem aos gastos públicos, para a blindagem dos cofres contra o mau uso dos recursos e para evitar a corrupção, por que acaba por tornar-se a maior das suas causas?
                Para compreender é preciso, antes de tudo, aceitar que o processo burocrático falhou nas suas funções de controle, servindo apenas para criar um Estado caro, moroso, pesado, arrastado e suscetível a males degenerativos como a corrupção.
                Antes que haja um corrupto é preciso que exista um corruptor. Criar dificuldades intransponíveis não é forçar o nascimento de corruptores?
                 O ex-ministro da Desburocratização Hélio Beltrão defendia veementemente que o Brasil não é rico o bastante para praticar uma administração baseada na desconfiança e que, presumir a desonestidade dos cidadãos, além de ser uma atitude absurda e injusta, atrasa e encarece a atividade governamental. Constatação lúcida e pertinente.
                Acreditar que vivemos em um país onde a população é composta, em sua maioria, por pessoas empenhadas em burlar as normas e transgredir a lei e obrigar-nos a criar regras para evitar que isso aconteça é dar ao mundo e a nós mesmos um atestado de incapacidade pedagógica e social.
                Basear a criação de um sistema público na presunção de um povo desonesto é uma atitude burra, cara e ineficaz. Precisamos ter a coragem de virar essa página triste da nossa história e perceber que os bons são numericamente muito superiores aos maus.
                A antecipação do julgamento sobre o caráter do povo brasileiro dá o tom exato da desconfiança que paira sobre a capacidade de punição posterior a uma má conduta, pior, dá sinais de que, talvez, nem nós mesmos tenhamos confiança na nossa honestidade e bons princípios, baixando de forma irrecuperável a nossa autoestima. Se nem nós mesmos confiamos nesse povo quem poderá confiar?
                Não existe nada mais barato do que confiar nas pessoas.
                Sonho com um Estado que confie em seus cidadãos. Um estado onde os documentos sejam substituídos pelas declarações e essas tenham o peso dos documentos. Um Estado onde a pena seja imputada a quem mente e não a quem diz uma verdade indesejada por um regramento inexequível.
                Este será o país que Hélio Beltrão idealizou. Este será o Brasil que vai encher nossos filhos e netos de orgulho.


*Tercio Garcia é Engenheiro Agrônomo, SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO DA PREFEITURA DE LIMEIRA, foi Prefeito de São Vicente por dois mandatos, Presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica da Baixada Santista por dois mandatos e Presidente do Conselho de Desenvolvimento da Baixada Santista.

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