“Jornalismo-Jornalismo, e não propaganda travestida de
jornalismo”
Depois das eleições de 2014,
iniciei uma reflexão, sobre o quanto despolitizado foi aquele pleito eleitoral.
O discurso rebaixado de candidatos e partidos, contaminou o eleitor, que com a
força das redes sociais, revelou sua face conservadora, preconceituosa e
violenta. Concluí que vários fatores contribuem com esta total alienação
politica e um deles é o desconhecimento da História.
Assim resolvi, criar uma
página na rede Facebook, intitulada Ditadura Jamais e a partir dela oferecer
elementos para debater não só o passado Histórico mas, as consequências dele no
presente e no futuro. A pagina já completou dois meses. Aí inauguro com esta
postagem via Blog do Janjão com link na Pagina do Face, uma série de
entrevistas, com personagens que viveram ou que se debruçaram sobre aquele
momento da História do Brasil.
Com a sugestão do meu amigo
o Escritor André Ribeiro, tive a honra de entrevistar, via email, um dos
maiores Jornalistas da atualidade. Enviei a ele o convite para a entrevista, e
de forma generosa e muito atenciosa Mario Magalhães, carioca, apaixonado pela
cidade maravilhosa aceitou conceder, esta extraordinária entrevista.
Autor da recente biografia
do Guerrilheiro e militante de esquerda Carlos Marighella intitulada MARIGHELLA
O GUERRILHEIRO QUE INCENDIOU O MUNDO, (http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=11862
) , Mario largou mais de vinte anos de
redação nos principais jornais do País, para se dedicar a relatar a vida do que
ele mesmo define: “Não encontrei
personagem com vida mais trepidante do que Carlos Marighella”.
Na entrevista, ele aborda o
papel do Jornalismo, fala de Direitos Humanos, de sua obra. Uma entrevista
deliciosa, com um Jornalista que acredita que a profissão deva ser exercida com
espirito critico.
Vamos a ela.
1. Sua
biografia demonstra seu interesse por temas ligados aos Direitos Humanos. Desde
os tempos de redação no Jornalismo, como agora na literatura. Embora seu estilo
seja da reportagem, você tem posição, a faz com uma visão critica da sociedade,
dos fatos narrados. Como nasceu esta predileção por um tema tão espinhoso, como
o de Direitos Humanos?
MM: Não
se trata de predileção, mas de exigência jornalística e cidadã. Eu preferiria
tratar somente de futebol. O jornalismo pode ser definido como o serviço
público caracterizado pela coleta, processamento e difusão de informações. Deve ser exercido com espírito crítico. Como
existem violações dos direitos humanos, nada mais natural que o jornalismo
aponte tais violações, coloque o dedo na ferida. Por isso, como jornalista, eu
tanto escrevi e ainda escrevo sobre assuntos relacionados aos direitos humanos.
2. Como
conciliar o Jornalismo com História e as duas coisas com objetivos claros de
fomentar o debate acerca de um assunto como no Livro sobre Carlos Marighella?
MM: O
jornalismo e a história não precisam ser conciliados. O jornalismo constitui o
registro imediato da história. O jornalismo pontua a história, e a história
também pode ser compreendida como uma sucessão de registros jornalísticos. Meu
propósito com a biografia jornalística do revolucionário Carlos Marighella
(1911-1969) não foi fomentar debate. E sim contar uma história. Claro que essa
história estimula debates, mas isso é consequência da história contada.
3. Você
se considera um Homem de Jornalismo ou a literatura, o tira desta condição?
MM: Sou
jornalista e escritor. Nas fichas dos hotéis, a profissão que eu informo é a de
jornalista. Mas não me ofendo quando sou apresentado como escritor. Escrevo não
ficção. Como escrevo reportagens, sou repórter e jornalista. Aproprio-me dos
recursos narrativos da literatura para tentar escrever com mais encanto obras
cuja matéria-prima são personagens e coisas reais, e não inventadas ou
imaginadas.
4. Você
acredita que o Jornalismo, possa contribuir com a construção da Cidadania, com
uma visão de mundo mais humana e calcada na defesa de Direitos? Digo o
Jornalismo Brasileiro e não o conceito da profissão.
MM: Sim.
Mas jornalismo-jornalismo, e não propaganda travestida de jornalismo.
5. Eu e
você somos da mesma Geração. Nasci dois anos antes do Golpe, você no ano do
Golpe. Fui ter noção de que vivíamos em um Estado Autoritário, já perto da
Adolescência, quando iniciei minha militância. O mundo era muito obscuro,
incerto. Quando você percebeu que éramos filhos da Revolução, como afirmava
Renato Russo e como reagiu aquilo tudo?
MM: Só
na adolescência eu tive consciência plena de viver sob uma ditadura. Lembro-me
de, na infância, ver cartazes de “procurados”. Eram opositores cassados e
caçados, sobretudo guerrilheiros. Não tinha ideia de que aqueles não eram os
verdadeiros bandidos.
6. Por que
escolheu escrever sobre Marighella? O militante de esquerda foi colocado no
ostracismo até pela própria esquerda, considerado pela direita como um
terrorista. O que te fez biografá-lo, a ponto de muitos, inclusive da própria
imprensa, estranharem esta sua escolha.
MM: Não
encontrei personagem com vida mais trepidante do que Carlos Marighella. É
legítimo odiá-lo ou amá-lo, mas impossível ficar indiferente à trajetória que
ele teve. Marighella permite reconstituir quatro décadas frenéticas do Brasil e
do mundo, dos anos 1930 aos 1960. E também perfilar dezenas de personagens
espetaculares, amigos e inimigos dele, que merecem ter suas próprias biografias
escritas e filmadas. Marighella teve uma vida de tirar o fôlego, e eu busquei
escrever um livro igualmente de tirar o fôlego.
7. Ricardo
Setti, da Revista Veja, ao comentar sobre o livro, disse até de uma forma
deselegante, que o biógrafo é muito bom, para um biografado menor e polêmico.
Você concorda com isto?
MM: Não
li, mas observo que o tal “biografado menor” foi capa da recém-nascida revista
“Veja” em novembro de 1968 e novembro de 1969. Uma vez, vivo. Na outra, morto.
Quantas pessoas mereceram tal destaque em período tão curto? A história da
“Veja” fala por si sobre a envergadura histórica de quem era o guerrilheiro
declarado pela ditadura como “inimigo público número 1” e um dos brasileiros de
maior projeção internacional do século 20.
8. Marighella
protagonizou talvez uma das cisões mais importantes no PCB, naqueles tempos de
Ditadura. Em sua opinião as divergências eram apenas de caminhos, quanto
enfrentar o regime? Ou havia motivos outros, de maior profundidade, incluído aí
alianças políticas?
MM: Não
foi “uma das”, foi “a” cisão mais importante da história do PCB. Foi o racha
que selou o destino do partido como agremiação, a partir dali sem maior
influência no destino do país. Não faço juízo de valor sobre as opiniões de
Marighella e da então direção do PCB. As divergências entre os ainda camaradas
eram enormes e estão descritas na biografia “Marighella”.
9. A
luta armada era, para Carlos Marighella, a única forma de derrotar, primeiro a
ditadura, depois a Burguesia Capitalista. Como você definiria esta concepção do
comandante da ALN?
MM: A
opinião de Marighella se fundamentava na derrota da esquerda no golpe de 1964.
Ele considerava que os golpistas, que se impuseram pela força das armas, só
poderiam ser derrotados também com o emprego de violência. Ele julgava que as
formas de lutas pacíficas, quando rendiam frutos, acabavam sufocadas por golpes
e viradas de mesa ilegais. Por isso apostou na guerrilha.
10. Marighella pode ser considerado um Herói
Nacional?
MM: Cada
pessoa tem a sua opinião, não ambiciono influenciar ninguém. Para o
ex-presidente Lula, Marighella é um herói. Para o deputado Jair Bolsonaro, um
vilão. Na biografia que eu escrevi, em nenhum momento Marighella é tratado como
herói ou vilão. Forneço, num livro marcado pela ação, elementos para que cada
leitor possa formar sua opinião. Todas as opiniões são legítimas. Não produzi
nem uma hagiografia, promovendo o protagonista, nem um panfleto contra ele.
Esse é um dos motivos, acredito, de o livro receber elogios tanto de quem se
identifica com Marighella quanto de quem rejeita suas ações e ideias.
11. Este
Revival que acompanhamos nas eleições, onde jovens de 20 e poucos anos,
discursavam em especial na rede de computadores, contra pobres, nordestinos,
Gays, Negros e outros. Faziam abertamente apologia a Violência, inclusive
pedindo a volta da Ditadura. Como Você avalia este recrudescimento do
reacionarismo. É só Anti Petismo, Anti Esquerda ou a algo mais? Como combater
este retrocesso?
MM: Não
é de hoje que fascistas existem e urram. A diferença é que agora a tecnologia
permite maior circulação de ideias. Mas os fascistoides não são muitos. São
como certas torcidas de futebol: pouco numerosas, mas fazem muito barulho.
12. O
Brasil não tem Memória Histórica? Qual o papel dos Biógrafos neste resgate?
MM: Tem
e não tem. A memória é seletiva. Contam a história de alguns, escondem a de
outros. O que mais incomodou almas obscuras com a biografia “Marighella” foi
contar a trajetória de um homem que certa historiografia oficial pretendeu
eliminar da memória do país. Os biógrafos, certamente, contribuem para que
conheçamos muito mais a nossa história.
13. No
ultimo dia 10 de Dezembro, a Comissão Nacional da Verdade, entregou a
Presidenta Dilma Rousseff, o Relatório Final de seu trabalho. Na sua opinião, o
relatório pode iniciar um processo de passar a História do País a limpo?
MM: O
relatório da CNV pode e deve ser um instrumento para que conheçamos mais a
nossa história e para que cresça o movimento contra a impunidade: agentes
públicos que torturaram, assassinaram e ocultaram corpos durante a ditadura
precisam ser julgados. Assim como até hoje veteranos do nazismo são presos e
processados. Crimes contra a humanidade, como a tortura, não prescrevem. Quando
não são punidos, servem como inspiração para renovados episódios de barbárie.
14. Mario,
como você imagina o País daqui a cinquenta anos. Tendo a memória Histórica,
como espelho de vida ou uma republiqueta das bananas como Elites sempre
pensaram o Brasil. O que nós hoje podemos deixar de legado as novas gerações no
próximo meio século?
MM: Muitas
coisas: de prato de comida na mesa de todos os brasileiros ao conhecimento do
nosso passado. É lugar-comum, mas clichês às vezes estão certos: quem conhece o
passado tem mais chances de não repetir os erros e mais condições de reeditar os
acertos.