sábado, 20 de dezembro de 2014

ENTREVISTA MARIO MAGALHÃES

“Jornalismo-Jornalismo, e não propaganda travestida de jornalismo”

Depois das eleições de 2014, iniciei uma reflexão, sobre o quanto despolitizado foi aquele pleito eleitoral. O discurso rebaixado de candidatos e partidos, contaminou o eleitor, que com a força das redes sociais, revelou sua face conservadora, preconceituosa e violenta. Concluí que vários fatores contribuem com esta total alienação politica e um deles é o desconhecimento da História.

Assim resolvi, criar uma página na rede Facebook, intitulada Ditadura Jamais e a partir dela oferecer elementos para debater não só o passado Histórico mas, as consequências dele no presente e no futuro. A pagina já completou dois meses. Aí inauguro com esta postagem via Blog do Janjão com link na Pagina do Face, uma série de entrevistas, com personagens que viveram ou que se debruçaram sobre aquele momento da História do Brasil.

Com a sugestão do meu amigo o Escritor André Ribeiro, tive a honra de entrevistar, via email, um dos maiores Jornalistas da atualidade. Enviei a ele o convite para a entrevista, e de forma generosa e muito atenciosa Mario Magalhães, carioca, apaixonado pela cidade maravilhosa aceitou conceder, esta extraordinária entrevista.

Autor da recente biografia do Guerrilheiro e militante de esquerda Carlos Marighella intitulada MARIGHELLA O GUERRILHEIRO QUE INCENDIOU O MUNDO, (http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=11862  ) , Mario largou mais de vinte anos de redação nos principais jornais do País, para se dedicar a relatar a vida do que ele mesmo define:  “Não encontrei personagem com vida mais trepidante do que Carlos Marighella”.

Mario Magalhães, recebeu vários prêmios por reportagens e livros, inclusive na temática dos Direitos Humanos. Clic aqui e leia sobre ele: http://www.portaldosjornalistas.com.br/perfil.aspx?id=11345 .
Na entrevista, ele aborda o papel do Jornalismo, fala de Direitos Humanos, de sua obra. Uma entrevista deliciosa, com um Jornalista que acredita que a profissão deva ser exercida com espirito critico.

Vamos a ela.


1.    Sua biografia demonstra seu interesse por temas ligados aos Direitos Humanos. Desde os tempos de redação no Jornalismo, como agora na literatura. Embora seu estilo seja da reportagem, você tem posição, a faz com uma visão critica da sociedade, dos fatos narrados. Como nasceu esta predileção por um tema tão espinhoso, como o de Direitos Humanos?

MM: Não se trata de predileção, mas de exigência jornalística e cidadã. Eu preferiria tratar somente de futebol. O jornalismo pode ser definido como o serviço público caracterizado pela coleta, processamento e difusão de informações.  Deve ser exercido com espírito crítico. Como existem violações dos direitos humanos, nada mais natural que o jornalismo aponte tais violações, coloque o dedo na ferida. Por isso, como jornalista, eu tanto escrevi e ainda escrevo sobre assuntos relacionados aos direitos humanos.

2.    Como conciliar o Jornalismo com História e as duas coisas com objetivos claros de fomentar o debate acerca de um assunto como no Livro sobre Carlos Marighella?

MM: O jornalismo e a história não precisam ser conciliados. O jornalismo constitui o registro imediato da história. O jornalismo pontua a história, e a história também pode ser compreendida como uma sucessão de registros jornalísticos. Meu propósito com a biografia jornalística do revolucionário Carlos Marighella (1911-1969) não foi fomentar debate. E sim contar uma história. Claro que essa história estimula debates, mas isso é consequência da história contada.

3.    Você se considera um Homem de Jornalismo ou a literatura, o tira desta condição?

MM: Sou jornalista e escritor. Nas fichas dos hotéis, a profissão que eu informo é a de jornalista. Mas não me ofendo quando sou apresentado como escritor. Escrevo não ficção. Como escrevo reportagens, sou repórter e jornalista. Aproprio-me dos recursos narrativos da literatura para tentar escrever com mais encanto obras cuja matéria-prima são personagens e coisas reais, e não inventadas ou imaginadas.

4.    Você acredita que o Jornalismo, possa contribuir com a construção da Cidadania, com uma visão de mundo mais humana e calcada na defesa de Direitos? Digo o Jornalismo Brasileiro e não o conceito da profissão.

MM: Sim. Mas jornalismo-jornalismo, e não propaganda travestida de jornalismo.

5.    Eu e você somos da mesma Geração. Nasci dois anos antes do Golpe, você no ano do Golpe. Fui ter noção de que vivíamos em um Estado Autoritário, já perto da Adolescência, quando iniciei minha militância. O mundo era muito obscuro, incerto. Quando você percebeu que éramos filhos da Revolução, como afirmava Renato Russo e como reagiu aquilo tudo?

MM: Só na adolescência eu tive consciência plena de viver sob uma ditadura. Lembro-me de, na infância, ver cartazes de “procurados”. Eram opositores cassados e caçados, sobretudo guerrilheiros. Não tinha ideia de que aqueles não eram os verdadeiros bandidos.

6.    Por que escolheu escrever sobre Marighella? O militante de esquerda foi colocado no ostracismo até pela própria esquerda, considerado pela direita como um terrorista. O que te fez biografá-lo, a ponto de muitos, inclusive da própria imprensa, estranharem esta sua escolha.

MM: Não encontrei personagem com vida mais trepidante do que Carlos Marighella. É legítimo odiá-lo ou amá-lo, mas impossível ficar indiferente à trajetória que ele teve. Marighella permite reconstituir quatro décadas frenéticas do Brasil e do mundo, dos anos 1930 aos 1960. E também perfilar dezenas de personagens espetaculares, amigos e inimigos dele, que merecem ter suas próprias biografias escritas e filmadas. Marighella teve uma vida de tirar o fôlego, e eu busquei escrever um livro igualmente de tirar o fôlego.

7.    Ricardo Setti, da Revista Veja, ao comentar sobre o livro, disse até de uma forma deselegante, que o biógrafo é muito bom, para um biografado menor e polêmico. Você concorda com isto?

MM: Não li, mas observo que o tal “biografado menor” foi capa da recém-nascida revista “Veja” em novembro de 1968 e novembro de 1969. Uma vez, vivo. Na outra, morto. Quantas pessoas mereceram tal destaque em período tão curto? A história da “Veja” fala por si sobre a envergadura histórica de quem era o guerrilheiro declarado pela ditadura como “inimigo público número 1” e um dos brasileiros de maior projeção internacional do século 20.

8.    Marighella protagonizou talvez uma das cisões mais importantes no PCB, naqueles tempos de Ditadura. Em sua opinião as divergências eram apenas de caminhos, quanto enfrentar o regime? Ou havia motivos outros, de maior profundidade, incluído aí alianças políticas?

MM: Não foi “uma das”, foi “a” cisão mais importante da história do PCB. Foi o racha que selou o destino do partido como agremiação, a partir dali sem maior influência no destino do país. Não faço juízo de valor sobre as opiniões de Marighella e da então direção do PCB. As divergências entre os ainda camaradas eram enormes e estão descritas na biografia “Marighella”.

9.    A luta armada era, para Carlos Marighella, a única forma de derrotar, primeiro a ditadura, depois a Burguesia Capitalista. Como você definiria esta concepção do comandante da ALN?

MM: A opinião de Marighella se fundamentava na derrota da esquerda no golpe de 1964. Ele considerava que os golpistas, que se impuseram pela força das armas, só poderiam ser derrotados também com o emprego de violência. Ele julgava que as formas de lutas pacíficas, quando rendiam frutos, acabavam sufocadas por golpes e viradas de mesa ilegais. Por isso apostou na guerrilha.

10.  Marighella pode ser considerado um Herói Nacional?

MM: Cada pessoa tem a sua opinião, não ambiciono influenciar ninguém. Para o ex-presidente Lula, Marighella é um herói. Para o deputado Jair Bolsonaro, um vilão. Na biografia que eu escrevi, em nenhum momento Marighella é tratado como herói ou vilão. Forneço, num livro marcado pela ação, elementos para que cada leitor possa formar sua opinião. Todas as opiniões são legítimas. Não produzi nem uma hagiografia, promovendo o protagonista, nem um panfleto contra ele. Esse é um dos motivos, acredito, de o livro receber elogios tanto de quem se identifica com Marighella quanto de quem rejeita suas ações e ideias.

11. Este Revival que acompanhamos nas eleições, onde jovens de 20 e poucos anos, discursavam em especial na rede de computadores, contra pobres, nordestinos, Gays, Negros e outros. Faziam abertamente apologia a Violência, inclusive pedindo a volta da Ditadura. Como Você avalia este recrudescimento do reacionarismo. É só Anti Petismo, Anti Esquerda ou a algo mais? Como combater este retrocesso?

MM: Não é de hoje que fascistas existem e urram. A diferença é que agora a tecnologia permite maior circulação de ideias. Mas os fascistoides não são muitos. São como certas torcidas de futebol: pouco numerosas, mas fazem muito barulho.

12. O Brasil não tem Memória Histórica? Qual o papel dos Biógrafos neste resgate?

MM: Tem e não tem. A memória é seletiva. Contam a história de alguns, escondem a de outros. O que mais incomodou almas obscuras com a biografia “Marighella” foi contar a trajetória de um homem que certa historiografia oficial pretendeu eliminar da memória do país. Os biógrafos, certamente, contribuem para que conheçamos muito mais a nossa história.

13. No ultimo dia 10 de Dezembro, a Comissão Nacional da Verdade, entregou a Presidenta Dilma Rousseff, o Relatório Final de seu trabalho. Na sua opinião, o relatório pode iniciar um processo de passar a História do País a limpo?

MM: O relatório da CNV pode e deve ser um instrumento para que conheçamos mais a nossa história e para que cresça o movimento contra a impunidade: agentes públicos que torturaram, assassinaram e ocultaram corpos durante a ditadura precisam ser julgados. Assim como até hoje veteranos do nazismo são presos e processados. Crimes contra a humanidade, como a tortura, não prescrevem. Quando não são punidos, servem como inspiração para renovados episódios de barbárie.

14. Mario, como você imagina o País daqui a cinquenta anos. Tendo a memória Histórica, como espelho de vida ou uma republiqueta das bananas como Elites sempre pensaram o Brasil. O que nós hoje podemos deixar de legado as novas gerações no próximo meio século?

MM: Muitas coisas: de prato de comida na mesa de todos os brasileiros ao conhecimento do nosso passado. É lugar-comum, mas clichês às vezes estão certos: quem conhece o passado tem mais chances de não repetir os erros e mais condições de reeditar os acertos.



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